Há momentos históricos na história dos povos e do futebol. Os exércitos de Alexandre devastando Tebas em Queroneia; Balduíno IV dizimando o exército de Saladino em Monte Gisardo; ingleses e franceses no Marne, o Duque de Wellington em Waterloo. Sim, meus amigos, o futebol é um microcosmo do mundo ou, por outra: os campeonatos de futebol é que são um macrocosmo da história dos heróis e dos impérios, das guerras e das conquistas. Talvez não haja nada em milênios da humanidade que já não tenha se reproduzido, mais fielmente e com mais intensidade, dentro das quatro linhas dos gramados, onde 22 jogadores costumam se enfrentar com mais ferocidade do que mil exércitos militares.
Ontem o esquete sagrado do Sport envergou as armas rubro-negras para enfrentar o campeão da Baixada Santista com mais fúria do que a Macedônia às portas de Tebas, com mais confiança do que cruzados defendendo Jerusalém, com mais abnegação do que a França e a Inglaterra lutando lado a lado contra uma Alemanha que ainda não tinha nem a desculpa de ser nazista. E a verdade é que não se via um confronto assim talvez desde o fim do período napoleônico.
Meus amigos, aquele jogo de ontem tinha tudo para ser uma carnificina, uma sessão de extermínio, uma hecatombe. Vinte e cinco milhões de rubro-negros estavam com as atenções voltadas para a Ilha do Retiro: talvez há muito tempo um estádio de futebol não recebesse tanta atenção de um número tão grande de torcedores fanáticos. Há muito tempo uma vitória não era tão certa e, ao mesmo tempo, aguardada tão ansiosamente.
Foto: Terra |
O Leão começou tímido, alguns diriam cauteloso; a verdade é que a fera estava sendo metódica. Cansando o adversário para, depois, dar-lhe o bote fatal. Somente ao final do primeiro tempo foi que Lucas Lima converteu o pênalti -- e, naquele gol, meus amigos, estava toda uma história, uma profecia, uma odisseia. Naquele gol estavam irmanadas a esperança e a certeza de vinte e cinco milhões de almas rubro-negras. Naquele gol, o futebol brasileiro voltou a respirar.
A etapa complementar foi somente jogar a pá de cal. Lucas Lima fez um segundo gol, e a torcida enlouqueceu; o Sport meteu logo depois o terceiro, e a nação rubro-negra esteve a ponto de quebrar as grades e invadir o gramado, para coroar imediatamente o Sport como Imperador Perpétuo do Futebol Brasileiro. Foi preciso que anulassem aquele gol para que a partida pudesse terminar. E, ao final, Barletta ainda perdeu um segundo pênalti com desdém, com orgulho, com fastio, como um soldado que, em meio à pilhagem, entorna ao chão uma garrafa de vinho caro somente para manifestar, com atos, a fartura em meio à qual se encontra, o desperdício que ele se permite realizar. Sim, meus amigos, aquele pênalti perdido humilhou mais o Santos que os outros três gols que ele havia levado.
O fato é que ontem o Sport bateu o Santos. Que digo? O Leão rubro-negro massacrou o Santos, devastou o Santos, atropelou o Santos; meus amigos, há quem jure que hoje de manhã, à Rua da Aurora, o peixe foi avistado boiando, morto, de barriga para cima, sendo arrastado pelas águas do Capibaribe que, à luz da manhã, tinham uns inusitados tons de preto e de vermelho. Eu não duvido. Absolutamente não duvido.
É necessário que a cidade do Recife celebre e se regozije, porque hoje o seu time, o seu maior time de futebol, o seu orgulho e sua alegria, amanheceu novamente na elite do Futebol Brasileiro, o lugar a que pertence por honra e por direito. E por conquista. Principalmente por conquista. Porque, meus amigos, nunca uma vaga foi conquistada com tanta garra, arrancada com tanta força, arrebatada com tanta paixão.
Junto ao peixe morto da Rua da Aurora foram avistadas, também, uma catita velha e uma cobra-cega. Arrastadas pela natureza, inermes, surdas aos gritos de comemoração que tomaram conta da cidade. Ano que vem, novamente a Série A do Campeonato Brasileiro vai voltar a ser de fato um torneio de elite. Em 2025, novamente vai valer a pena assistir ao Brasileirão. Até lá!
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