quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Ninguém é mais vivo do que quem quase morreu

Dizem que a morte ensina. Ou melhor: estar diante da morte faz você encarar a vida com outros olhos. Ninguém vive tanto como quem já esteve morto. Quando o moribundo, já nos estertores da morte, decide levantar a cabeça, e lutar, e viver, aí, meus amigos, já não há mais nada nem ninguém no mundo que o possa segurar. A morte respeita quem a olha nos olhos e a enfrenta de cabeça erguida. Não existe ninguém mais vivo do que quem quase morreu e voltou.

O Sport esteve à beira do túmulo neste campeonato. O que digo? Esteve dentro do caixão já descido à terra. Já começavam a despejar melancolicamente, uma após outra, fúnebres pás de terra sobre a madeira vermelha e negra. Ninguém acreditava mais no Sport e, por outra: todos acreditavam na Série B. Até os times menores do ecossistema pernambucano -- a minhoca do canal e a catita da Rosa & Silva -- esqueciam-se da sua insignificância no enterro do Leão. Parecia que seu raquitismo esportivo, seu nanismo futebolístico, podiam ser deixados de lado no velório do adversário. Uma coisa assombrosa, os tricolores e os alvirrubros, dois defuntos desenterrados, trocando conversas de comadres junto ao Leão caído.

Houve um momento em que o time não suportou mais a humilhação. Sim, meus amigos, a verdade é esta: quem nasceu para Rei da Selva não aceita ser tratado como minhoca colorida ou gambá assustado. Dizem que a camisa pesa, o que é uma verdade, mas é preciso dizer ainda mais: a camisa levanta. O manto põe-se de pé. A tradição empurra para frente.

Falei aqui do gol de Gustavo, contra o Grêmio. Disse que não era um simples gol, que era uma profecia, um vaticínio. A vida da gente às vezes sofre reviravoltas por causa de um evento inesperado: golpes de sorte nos jogam por terra ou nos lançam aos ares. Sim, meus amigos, aquele gol mudou tudo. Ali, naquele balançar de redes, a besta enjaulada foi libertada e agora será difícil aos seus inimigos contê-la novamente. Agora é o poder e a hora do Leão. 

Foto: ge (Marlon Costa/Pernambuco Press)

Veja-se com que facilidade o Sport atropelou o Juventude ontem. Foram três gols em cima do visitante com uma fúria, com uma brutalidade que poderia parecer um exagero. Alguém disse que foi uma crueldade, uma humilhação desnecessária; meus amigos, a fera acorrentada há muito tempo não mede a sua força quando se põe em liberdade. Eis a verdade: o Leão está em frenesi, com gosto de sangue na boca, com os machucados do início do campeonato empurrando-lhe para adiante. A fera está cega de dor e de raiva contidas, em fúria assassina, estraçalhando quem quer que apareça na sua frente.

É até difícil escolher um lance do jogo para comentar. Mas seria uma indignidade não falar, aqui, do segundo gol do Leão, do golaço de Mikagol. O homem correu para a área como um náufrago corre para a praia. Olhava para a bola como quem perscruta o mar infinito no horizonte. Viu-a chegando com a euforia de um Robson Crusoé na iminência do resgate; e mandou-a para dentro da rede como um Tom Hanks sujo e ferido arremessando, furioso, Wilson para longe de si. Que bomba, meus amigos, que lance, que gol. Ali não falou a sorte nem a técnica, foi um lance de sobrevivência. Ali falou mais alto o instinto. Ali se operou o resgate. Ali o homem venceu.

Foram cinco gols em dois jogos após dois meses sem gols. A fera está solta de novo pelos campos brasileiros. Os adversários que se cuidem. O campeonato apenas começou.

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