segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Adeus a Sander

Meus amigos, dizem que o arroz está caro. Mas o gênero alimentício que quase não se encontrava em Recife neste domingo era a carne suína. Graças a uma bonita tradição de comer porco em determinados dias do ano, vinte e um milhões de rubro-negros abasteceram as suas dispensas para a festa da noite. E não havia coronavírus capaz de abater o ânimo do Sport -- que jogaria em Casa, na Ananias Arena, contra um dos seus mais tradicionais fregueses. Nenhum torcedor esperava menos do que a vitória. A carne começou a ser servida já no almoço. Houve registro de alguns rubro-negros que começaram a comer porco inclusive no café da manhã. Foi um carnaval.

Eis o que quero dizer: ontem, o jogo não havia nem começado e as comemorações já corriam soltas. O futebol, meus amigos, é um esporte de poucas verdades. Entre as quatro linhas há muito espaço para o improviso, para a surpresa, para os caprichos do Acaso, e é isso o que torna o esporte tão emocionante. Somente umas poucas coisas são certas no futebol: coisas como "quem não faz, leva", ou "o jogo só termina como acaba", ou ainda "o Palmeiras é freguês do Sport".

Mas mesmo essas coisas básicas só são verdadeiras na generalidade dos casos. Há aquelas situações raras em que o time não faz mas também não leva, há vezes em que o jogo termina antes de acabar. E há até alguns casos, esses raríssimos, em que o porco consegue escapar das garras ferozes do Leão.

São momentos terríveis e que exigem uma severa autocrítica. Afinal, triste é a situação do time que não consegue bater nem o freguês! Se o Leão se atrapalha pra cravar as presas até num bacurim, corre verdadeiro risco de terminar morrendo de fome. A noite de ontem, que deveria ser de fartura, terminou mirrada. São pontos que vão fazer falta. Aquele empate chocho de ontem deixou a torcida rubro-negra insatisfeita -- tão insatisfeita como nem mesmo outras derrotas recentes conseguiram deixar.

Foto: OneFootBall

E, neste jogo, a atuação de Sander merece um comentário particular. O lateral-esquerdo deu um gol de graça para o Palmeiras, sim; mas a culpa não foi somente dele e, verdade seja dita, ele até tentou, depois, reparar seu erro. Meus amigos, aquele lance foi escandaloso. É o tipo de falha que desperta paixões homicidas, que encerra prematuramente carreiras, que atrai a indisposição até dos amigos. Até dos familiares. Aposto que a própria mãe do atleta, se visse um lance daqueles, daria no moleque uma chinelada. Após passar a bola para o atacante adversário, sozinho, de frente para o gol, Sander deve ter se sentido o mais infeliz dos homens.

Mas eu dizia que a culpa não foi somente dele. Ora, impossível negar que o problema é, também, a diretoria: se o jogador já disse que não tinha mais interesse em permanecer no time, a coisa mais sensata a fazer é deixá-lo ir embora desde já. Desde agora, desde ontem. Não se mendiga a presença de um atleta que não quer jogar no time, que não tem respeito, consideração, pela camisa que veste. Coagindo o sujeito a jogar, insistindo, bajulando, adulando, chantageando, ou o que seja, corre-se o risco de ter em campo um jogador fazendo corpo mole -- ou, pior, fazendo o jogo do adversário.

Não acho que Sander tenha querido dar o empate para o Palmeiras; o problema é que do corpo mole para o fogo amigo a diferença é pequena e o passo é curto. Às vezes, involuntário. Meus amigos, Sander enlouqueceu após dar aquele gol: disputava cada bola como se fossem mantimentos em zona de guerra, perseguia os adversários como se fosse um pervertido. E abatia cada atacante como se fosse um açougueiro correndo atrás de um leitão que houvesse fugido do matadouro. Em uma dessas foi expulso, mas lavou a alma. Sim, meus amigos, aquele cartão vermelho foi uma última auto-punição, o derradeiro golpe auto-infligido, a catarse extrema. O homem estava louco e se abateu antes de ser abatido. Está morto, uma salva de tiros e sigamos adiante.

Aquela expulsão encerrou a etapa inicial e revigorou o time. Parecia que a fera se livrava enfim de um peso morto. O segundo tempo foi todo para o gol de Lucas Mugni -- um gol de tirar o fôlego, categórico, plástico. Não ganhamos do freguês, mas contemplamos a imolação de Sander e fechamos o domingo com um belo grito de gol explodindo da garganta. Que ele exorcize de vez a má fase e possa ser ouvido mais vezes nas próximas rodadas.

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