Tropeçou o Leão em sua disparada. Altivo e senhor de si, pairando acima de todos os seus adversários, desimportou-se da Copa Sul-Americana. A torcida não empolgou o time; aliás a torcida mal estava presente. O elenco não deu o melhor de si; aliás, o elenco, mesmo em campo, estava como que apagado. Sim, senhoras e senhores, o jogo de ontem, é preciso reconhecer, em nada, nada, esteve à altura da majestade leonina. Dezoito milhões de rubro-negros e seis mil gatos-pingados -- para os dois times! -- no estádio? Um elenco de matadores, um Diego Souza, um Edmílson, e nenhum gol marcado? Uma defesa inexpugnável, um Magrão, um Durval, e um gol sofrido no final do jogo, de rebote, feito por um atacante do terceiro escalão tricolor? O jogo de ontem, é evidente, salta aos olhos até mesmo para um cego, destoou escandalosamente da realidade dos dois clubes. Foi como um maracanazo mal reencenado.
Foto: Globo Esporte |
Consideradas todas as coisas, no entanto, o tropeço de ontem à noite não passa disso: um tropeço, um tropicão, uma topada que se dá inadvertidamente no curso da caminhada. Há a dor instantânea, há a raiva do momento, há o palavrão que escapa dos lábios -- mas não passa disso. Não machuca de verdade, não é uma doença que debilite, uma moléstia que retire as forças do corpo e contra a qual seja preciso lutar. Nada disso. A topada é uma dor passageira e momentânea, não uma crise crônica que acarrete invalidade. Os tropeços são tão-somente uma contingência às quais estão sujeitos todos os que têm a terrível ousadia de caminhar. O glorioso Leão da Ilha, mais que isso, tem a audácia de correr...! É de se espantar que ele por vezes tropece?
Não é pelos dedões arrebentados que se afere o estado de saúde do indivíduo. Os músculos retesos, os ossos firmes, a visão acurada, os humores equilibrados: lamentar-se-á porventura a sina de um atleta de tais características por conta do machucado na ponta do pé? Chorar a sua triste sina não parece um pouco exagerado, um despropósito, uma mise-en-scène histriônica? Veja, acusar disso o Leão é, na verdade, admitir que não existe razão para o acusar. Não se encontrou nada que censurar no time, que vem em grande momento, em campanha gloriosa; não se encontrou nada e, portanto, vai-se apegar a mesquinharias. Não é como se o elenco estivesse em estado terminal por conta de um gol -- um reles gol -- sofrido no final do jogo sob a apatia do torcedor rubro-negro. A avaliação clínica exige um conjunto de fatores; um prognóstico de morte iminente por conta de um tropeço é coisa desarrazoada, mais própria de mulheres histéricas e de homens efeminados que não sabem o que é derramar o sangue no campo de batalha. Há mais vitalidade no esportista que tropeça em plena corrida do que no velho reumático cada vez mais preso ao solo. Sim, senhoras e senhores, às vezes a condição de quem não tropeça é muito pior!
O Sport é o jovem de porte atlético; o Santa Cruz, o velho acometido de reumatismo. Caindo ontem, o Sport já hoje se levanta, já sacode a poeira do corpo, já pensa na próxima rodada do brasileirão. Totalmente diferente é o estado da velha minhoca do Canal do Arruda -- que, tendo levado uma pancada no início do Campeonato Brasileiro, até hoje não conseguiu se levantar direito. Despencou do topo da tabela para a penúltima posição e de lá não consegue sair por mais que se esforce, como um velho entre dores horríveis que, caído, por mais que tente e porfie, é incapaz de se levantar sem que lhe ajudem. Que importa que, ontem, meio mal das pernas, meio manco, o velho tricolor tenha permanecido de pé na Sul-americana enquanto o Leão tropeçava? Não é nos fatos isolados e extraordinários que se caracteriza a doença ou a cura. A mera derrota rubro-negra de ontem, totalmente eventual, escandalosamente acidental, não será uma panaceia para todas as mazelas dos tricolores. Infelizmente até mesmo para Pernambuco, que segue na competição tão mal-representado, o jogo de ontem não será capaz de restabelecer o Santa Cruz. A cobrinha escapou das garras do Leão, é verdade; mas, reumática e banguela, não terá como fazer frente aos adversários que terá que enfrentar. Sim, senhoras e senhores, será um massacre de dar pena.
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