A vitória do Glorioso no último sábado tem um gosto especial para o torcedor pernambucano. Não somente porque ela entroniza o Sport no G10, lugar a que o clube pertence por tradição e excelência. Não somente porque foi uma bonita vitória, consolidando a invencibilidade de seis rodadas na disputa. Não apenas porque foi sofrida, arrancada com garra, na raça, com um golaço de Edmilson -- para afastar o mau agouro dos que deploravam a (não obstante deplorável) saída de Diego Souza. Mas a vitória tem um sabor especial porque foi conquistada sobre o Urubu da Gávea, o carniceiro carioca, o conspurcador do sagrado manto rubro-negro.
E que partida! Dois rubro-negros se mediram e se enfrentaram. O rei da floresta venceu o rei da carniça. Edmilson enterrou a partida já no primeiro tempo -- com a fúria de um mercenário faminto, com a precisão de um toureiro experiente. Mas daí em diante nenhum dos dois times entregou o jogo. Foram ainda setenta minutos de investidas e retiradas, de chutes e defesas, de dribles sedentos e passes meticulosos. O urubu agonizava com as patas do leão sobre seu pescoço, e que agonia -- foram setenta minutos de estertores terríveis. Por vezes parecia que a ave agourenta ia conseguir escapar. Ao final sucumbiu. Sim, ao final foi o grito de guerra -- de vitória! -- da torcida do Sport que ecoou por sobre a Arena de Pernambuco
Foto: Blog do Torcedor |
Mas que combate...! Duelo de morte, inimizade figadal, cujas raízes remontam pelo menos a 1987. Naquele ano, para orgulho da nação rubro-negra, o troféu do campeonato brasileiro revestiu-se de vermelho e preto. Naquele ano, para desespero e confusão dos cariocas, foi o Leão da Ilha que rugiu no mais alto do pódio.
O Flamengo não aceitou. Fez birra, fez chicana. Passou os últimos quase trinta anos fazendo chicana, e mais: nunca se viu um chororô tão intenso e tão inconformado. Um chororô de fazer frente às lágrimas de Portugal. Envergonhando as cores sagradas do uniforme que enverga, o Flamengo se humilhou e rastejou, lambendo sapatos Oxford em todas as repartições burocráticas que encontrou na sua frente. Foram quase trinta anos de rastros, e mais: parece que o time nunca mais se levantou novamente. A derrota de 87 mexeu-lhe com os brios, esta é a verdade: e a recusa à disputa honesta, no campo, na raça, fez com que o clube adquirisse uma assustadora necessidade de reconhecimento.
Perdeu na CBF. Perdeu na FIFA. Perdeu na Justiça Comum. Por onde tem andado, nos últimos quase trinta anos, o Flamengo tem colecionado derrotas de dar cada vez mais pena. A chicana megalômana, a chicana de todas as chicanas, é a situação atual, onde pretende o rubro-negro carioca que o STF, a Corte Constitucional do país, imiscua-se nas competições das Federações Esportivas e declare ter havido, em um mesmo ano, dois campeões brasileiros. Ou seja: incapaz de negar o campeonato do seu arqui-rival pernambucano, espera o time carioca -- que não jogou em 87 -- que lhe reconheçam, na canetada, um lugar no pódio onde ele não esteve. Que ele se negou a disputar.
Tudo vão. Se não houvesse coisa julgada, se pudesse o time carioca entrar novamente na Justiça quantas vezes quisesse, tantas outras vezes perderia. Perderia pela mesma razão que perdeu em 1987: porque quem não joga perde, porque os acochambrados dos bastidores não são capazes de fazer frente a um esporte que se decide dentro das quatro linhas do campo de batalha. É naquele campo verde, sobre a grama e sob o sol, que as batalhas são travadas e vencidas, onde os vencedores recebem os aplausos do público e os louros da glória. É naquele campo somente que os exércitos se enfrentam, disputando o troféu -- a taça que, caprichosa, não se deixa possuir senão por quem derrama suor e sangue por ela. É dentro de campo, em suma, que se fazem os campeões.
O Flamengo recusou o campo em 87; a taça recusa o Flamengo desde então. É esta a verdade que assombra o time carioca desde 1987. É isto que faz com que ele tema e trema a cada vez que enfrenta o Sport: vê nos olhos leoninos a sua desgraça, enxerga no manto rubro-negro a sua vergonha. A derrota da última rodada foi a reencenação de uma derrota histórica. Mais uma vez o Leão abateu o velho Urubu: naquele gol de Edmilson o Flamengo viu trinta anos de derrotas. Foi por isso que, ferida, a velha ave agourenta não conseguiu mais alçar vôo.
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