Certas coisas não se fazem com o torcedor: bicho caprichoso, precisa ser tratado com mimos e atenções. Não é verdade que ele tenha um amor desinteressado, gratuito, quase platônico para com o seu time. A verdade é que é o contrário: o torcedor tem uma mesquinha relação de interesse com o clube. Está disposto a gritar no estádio, contanto que o time retribua com uma bonita apresentação; paga a camisa e faz propaganda do clube, desde que ele faça a sua parte e realize uma boa campanha.
Já escrevi aqui que o torcedor é como a mulher. Resgato a metáfora e complemento: por conta disso, ele precisa ser agradado. Quando o torcedor sai do trabalho, de noite, cansado, no meio da semana, pega a família, se dirige ao estádio, compra os ingressos, o refrigerante e o galeto, ele espera ter este seu sacrifício recompensado com uma boa apresentação do time. Pode até ser que ele não tenha coragem de o dizer com todas as letras: mas lá no seu íntimo deseja que o seu time seja o protagonista do espetáculo que vai ditar o teor das conversas pelo resto da semana.
Atenção, que isto não significa ser um mau perdedor e só querer que o time ganhe. Evidentemente o elenco não precisa ganhar o tempo inteiro; mas precisa, sim, jogar, jogar bonito, jogar se esforçando, jogar dando o melhor de si -- ou ao menos convencendo os espectadores de que está dando o melhor de si. A mulher não precisa que o seu homem seja exitoso em todas as suas empreitadas; mas ela exige, sim, que ele se esforce. Uma mulher pode passar fome ao lado de um homem que saia todos os dias em vão para procurar emprego; mas a mesma mulher vai expulsar de casa o sujeito que não se levanta do sofá, ainda que o lar esteja em condições econômicas confortáveis. No amor e no futebol é o esforço e não o resultado prático o que satisfaz.
Aquilo que o time do Sport fez com a sua torcida ontem não se faz com a mulher nem com a amante, não se faz com uma empregada nem com uma vulgívaga. Uma sequência de três vitórias consecutivas não pode ser interrompida com uma derrota em casa; principalmente, não pode ser interrompida com uma derrota para o último colocado do campeonato. Todo torcedor rubro-negro conhece o carma do lanterna; mas um elenco destruidor de tabus e exorcizador de maldições não pode sucumbir diante do fantasma da última colocação.
Ou melhor: pode até cair, mas precisa cair lutando. A torcida admite a conspiração cósmica, a reunião das bruxas, o azar de marreco; o que não admite é a cabeça baixa diante do destino fatídico. Por mil vezes o time pode ser humilhado pelo lanterna; mil vezes a torcida condescende, contanto que a cada uma delas os jogadores mostrem estar deixando nacos de carne e poças de sangue pelo campo. O que a torcida não admite, nem uma única vez sequer, é o time perder porque não jogou.
Ontem o Sport passou quase o jogo inteiro perdendo sem jogar. Dir-se-ia que o Coelho ganhava por W.O. na casa adversária. Nada daquilo se admite. O trabalhador que vai cansado à Ilha não é digno de ser tratado com tamanho desdém. O pai de família que leva seu filho ao estádio não merece que lhe façam -- ao seu filho! -- uma vergonha dessas.
Somente nos últimos estertores do jogo, já esgotado o tempo regulamentar, Mark González pôs fim à agonia. O empate que ele heroicamente arrancou, muitos dos torcedores não viram -- decepcionados que estavam, voltando já para casa, xingando a equipe. Não se trata a torcida dessa maneira; quando menos porque a torcida sabe ser cruel. Mas na constelação de estrelas apagadas do Leão só quem brilhou no céu desta quarta-feira foi o meio-campista que entrou no segundo tempo. Lutou e lutou e lutou até o último segundo pelo gol! Que o exemplo dele contagie os seus colegas, ou melhor: que os colegas entendam que é desumano exigir tanto assim de um jogador até os últimos instantes da partida. Não se faz isso com um colega, nem mesmo com um reserva. E, decididamente, não se faz isso com a torcida.
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