segunda-feira, 22 de agosto de 2016

A escolha do Leão

O que houve com o Sport? O que aconteceu com o glorioso rubro-negro, ceifado impiedosamente na sua escalada no campeonato, derrubado de maneira horrenda na sua corrida rumo às primeiras posições da tabela? Muitas teorias já foram elaboradas e ainda o haverão de ser. Uns dirão que o time ensoberbeceu-se, outros que o Botafogo jogou melhor. Comentaristas despeitados haverá dizendo que o Sport é um time pequeno e, com essa derrota, ele apenas se põe no seu lugar. Outros, mais prosaicos, dirão que é assim mesmo, que não se pode ganhar sempre, que nem mesmo Napoleão venceu todas as batalhas que travou.

Foto: Globo Esporte

Direi diferente. Direi que o problema do Sport foi o excesso de disciplina ou, por outra, a tenaz e brutal indiferença com a qual ele perseguiu a única coisa que lhe interessava no momento. O Sport, todos o sabemos, vinha se recuperando de uma campanha inglória. Esteve no Z4 -- absurdo incompreensível. Pior. Esteve no Z4 atrás do Santa Cruz. Traumas desta sorte têm o condão de abalar o time; no Sport teve o efeito de tornar todo o elenco possuído por um espírito de cachorro louco -- em corrida desvairada, insana até, abocanhando o que quer que se colocasse em seu caminho.

E assim foi o time, nas últimas rodadas, em sua fúria sagrada, em sua sede de sangue, estraçalhando quem quer que estivesse em sua frente. A chacina foi horrível e por outra: o Atlético, o Grêmio, o Flamengo precisarão de muitas rodadas ainda para se recuperarem da devastação. Foi uma carnificina de fazer as páginas das gazetas esportivas pingarem mais sangue que o caderno policial. Desde o saque de Constantinopla que não se via uma devastação assim.

Mas não foi suficiente. Mesmo assim não foi suficiente e o time, que chegou a respirar no G10, não logrou estabelecer-se lá com a solidez que a nação rubro-negra exigia. Veio então a partida contra o Botafogo. Era vencer ou vencer; a vitória era o único resultado que importava e, portanto, foi a este objetivo que os onze jogadores se devotaram com todo o ardor de suas chuteiras. O objetivo era nobre, o desempenho, correto. Todo o problema foi aquela falha no gramado.

Acréscimos do primeiro tempo. O time carioca avança. Desvencilha-se da zaga e chuta -- um chute mesquinho, burocrático, protocolar. O legítimo chute operação-padrão. A torcida não chegou nem mesmo a prender a respiração e foi essa a sua ruína.

Entre o gol e o jogador, sabíamos todos, havia uma bastilha inexpugnável, havia Magrão indefectível. Magrão semideus descido do Olimpo pelo qual não passa nem bola de gude. Mas se os deuses do Olimpo são caprichosos, muito mais o são as Moiras que tecem as tramas do futebol. Entre Magrão e a bola havia, imperceptível e traiçoeiro, pérfido e falaz, um montinho irregular de grama. O goleiro foi na bola, a bola foi na falha do campo, o goleiro perdeu o tempo, a bola quicou no fundo da rede. Foi tão inesperado que mesmo a torcida alvinegra demorou para gritar gol. Na França revolucionária não penetraram na Bastilha de maneira tão patética; no entanto, aquele gol nos acréscimos da etapa inicial desestabilizou a majestade leonina mais que o 14 de julho iniciou a ruína da dinastia dos Capetos.

Toda esquadra sagrada tem sua Queroneia. Ferido, o Leão lançou-se sobre o adversário, apenas para levar logo em seguida segunda estocada. O Sport não estava preparado para perder e por outra: fez sua escolha. Após o primeiro gol precisava reagir: perder de um gol, ou de três, ou de cinco, eram os mesmos pontos a menos. Eis a verdade: o Sport continuou tentando vencer, em sua teimosia cega, em sua fúria brutal, a despeito dos gols que sucessivamente ia levando. Não foram falhas da equipe: foi a disciplina de, alvejado, continuar avançando. Foi uma escolha. As grandes derrotas só são sofridas por quem se arrisca a grandes vitórias. Chamaram o time de desesperado por se lançar de maneira desabrida sobre o time da casa; tivesse o elenco virado o placar no segundo tempo, ter-se-ia transformado o desespero em garra e ousadia. As críticas seriam agora elogios rasgados.

Não, o time fez o que devia ter feito. Vítima de uma fatalidade tentou reagir. Não logrou êxito, é pena, mas ainda assim merece o apoio da torcida. As feras por vezes davam no Coliseu um belo espetáculo, mesmo quando eram abatidas. Lutando até o último minuto, avançando enquanto jorrava cada vez mais sangue, o Leão ferido no campo mineiro deu, assim, prova feroz da sua altivez.

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