Esopo morreu, mas as suas personagens continuam vivas. No último domingo foi o Eduardo Bueno quem protagonizou pela milionésima vez a velha fábula grega. Após o seu time perder para o Sport por humilhantes 4 x 2, o escritor veio em cadeia nacional para, atrabiliariamente, ferido e magoado, destilar o seu desdém: para o derrotado da noite, o vencedor não passa de um "time patético".
E ainda cometeu a gafe de confessar que "não conhecia futebol acima da Bahia". Ora, é evidente que não conhecia. Xerxes não conhecia guerreiros ao sul da Tessália; Napoleão não conhecia soldados a leste do Niemen. Tal ignorância custou ao primeiro as baixas terríveis do exército persa nas Termópilas, e impôs ao segundo um retorno humilhado da Campanha da Rússia. Os gaúchos não conheciam o futebol do Nordeste: muito prazer, ei-lo goleando o Grêmio na Ilha do Retiro!
Tudo isso é vergonhoso. Mas a tragédia maior é a televisão. Pior: a tragédia é a internet. São as redes sociais. A velha raposa grega ao menos envergonhou-se sozinha, sem testemunhas, enquanto se afastava solitária da videira desejada; o escritor gaúcho não tem a mesma sorte e se expõe em cadeia nacional, e a sua auto-humilhação se reproduz e se atualiza a cada vez que alguém repassa o vídeo, a cada comentário que a respeito dele se faz. Penso, inclusive, que o velho Peninha é mais digno de pena e compaixão do que dos protestos que contra ele se vem fazendo.
Porque a relação de um torcedor com o seu time é, em certo sentido, a relação de uma mulher com o seu amante. Os olhos dela brilham com o sucesso que ele obtém. O que orgulha a ela são as realizações dele. É por vê-lo vitorioso que ela se esforça e se sacrifica. Se ele obtém respeito e consideração é ela que se sente honrada. É dele o papel de brilhar no mundo; o dela é o de contemplá-lo a relativa distância.
A mulher que vê o seu homem ser preterido há de lhe tomar o partido, é natural; nisso não faz senão o seu papel. Na derrota dele há de acusar a todos de injustiça; os fracassos dele, é aos outros que ela atribui. A mulher sensata guarda essas coisas para si; a histérica, ao contrário, sai pelas ruas gritando as injustiças das quais o seu amado foi vítima.
Eis o que quero dizer: isto se torna uma segunda vergonha, a vergonha do destempero, do desequilíbrio, do descomedimento. Uma vergonha maior do que a primeira. Pior do que o homem sair derrotado de algum negócio é a sua mulher sair chamando de velhacos aos que com ele negociaram. Pior que a derrota do time é a lamúria dos torcedores. Mais humilhante que a goleada é a histeria inconformada dos derrotados. O pior para o Grêmio no domingo passado não foi o 4 x 2 que ele levou na Ilha: o pior, o mais humilhante, o mais vergonhoso, foi o torcedor gremista desolado chorando as pitangas na SportTV.
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